Métodos alternativos ao uso de animais: Nova abordagem para avaliação de produtos químicos

A implementação de métodos alternativos é uma tendência emergente em escala global, como parte de um esforço na redução do sofrimento animal e na geração de dados redundantes. Desde 2014, o Conselho de Experimentação Animal (Concea), órgão brasileiro responsável por credenciar instituições e determinar protocolos para pesquisas, tem reconhecido os métodos alternativos validados pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OECD). Em 2015, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) aprovou a implementação destes métodos e determinou que os laboratórios instalados no Brasil teriam até setembro de 2019 para substituir os métodos in vivo pelos métodos alternativos.

Neste contexto, e seguindo o princípio dos três R´s (Refinar, Reduzir e Substituir), que possuem como premissa uma pesquisa humanitária para os animais, a NSF está trabalhando na implementação de abordagens que combinam a revisão de dados disponíveis em literatura e em análises in silico, in chemico e in vitro para a avaliação toxicológica de formulações agroquímicas e farmacêuticas.

Abordagem Integrada de Testes para Avaliação (IATA)

A OECD recomenda que, antes do início de qualquer novo teste toxicológico, em especial testes in vivo, dados disponíveis em literatura devem ser considerados, de forma a evitar dados redundantes e sofrimento animal desnecessário. Desta forma, uma Abordagem Integrada de Testes para Avaliação (IATA) pode ser realizada. Uma IATA se inicia com a busca de dados existentes (P.1), acompanhada de uma análise de ‘Peso e Evidência’ (WoE) (P.2). Para esta análise de WoE, toda informação disponível deve ser coletada a partir de base de dados relevantes e avaliada. Predições realizadas a partir de ‘Relação Quantitativa entre Estrutura e Atividade’ (QSAR) são um recurso efetivo para esta avaliação. No caso de realização de uma WoE adequada para uma tomada de decisão, uma conclusão regulatória pode ser realizada para a classificação toxicológica de uma substância em estudo. Se não for suficiente, novas análises devem ser realizadas, dando início à (P.3), conforme apresentado abaixo.

Importante salientar que, na (P.3) da IATA, novos testes devem ser realizados com métodos alternativos, e o uso de animais deve ser considerado apenas em último caso. De acordo com a resolução brasileira, os métodos alternativos devem substituir os métodos in vivo em uso para testes de irritação/corrosão ocular, irritação/corrosão dérmica, sensibilização dérmica e estudos de micronúcleos.

Métodos Alternativos no contexto da IATA

No caso da necessidade de novos testes para avaliação de segurança da substância teste, as seguintes normativas podem ser seguidas:

Irritação/Corrosão Ocular
OECD TG 491
Este teste utiliza uma cultura em monocamada de células de córnea de Coelho (SIRC) em uma microplaca de 96 posições. As células são tratadas com duas concentrações da substância teste (5% e 0,05%). Após um breve tempo de exposição um ensaio de viabilidade celular (Teste MTT) é realizado para medir a viabilidade da célula. Nos casos que a viabilidade celular fica em valores ≤ 70% nas duas concentrações, a substância pode ser classificada como categoria 1 (potencial corrosivo). A substância é classificada como sem categoria (sem necessidade de classificação) quando as duas concentrações apresentam um resultado de viabilidade celular > 70% (2).

OECD TG 492
Este teste utiliza um epitélio reconstruído similar à córnea humana. Após a exposição do epitélio à substância teste e ao solvente controle, a viabilidade do tecido pode ser avaliada a partir de um teste MTT. Se a viabilidade fica em um valor > 60%, a substância teste é classificada como sem categoria (sem necessidade de classificação) (3).

Irritação Dérmica
OECD TG 431
Utiliza um modelo tridimensional de pele humana onde a substância teste é aplicada. Após tratamento por um breve período em contato com a substância teste e os controles, o teste MTT é realizado, permitindo a identificação de produtos com potencial corrosivo (4).

Corrosão Dérmica
OECD TG 439
Utiliza o mesmo modelo tridimensional de pele humana descrito na OECD 431, porém com um procedimento diferente. A principal diferença entre os dois testes é o tempo de exposição com a substância teste (5).

Sensibilização Dérmica
Dermatites alérgicas são manifestações clínicas de uma resposta adaptativa de um sistema imunológico após exposição a uma substância sensibilizante. Eventos químicos e biológicos na sensibilização dérmica são bem estabelecidos e conhecidos como Adverse Outcome Pathway (AOP). O evento molecular inicial é a ligação covalente da substância sensibilizadora com proteínas da pele (haptenização) que pode ser detectado pelo teste in chemico, ensaio de reatividade direta de peptídeos, (DPRA), descrito na OECD 442C. O segundo evento é a ativação de queratinócitos da epiderme e pode ser detectado pelo método KeratinoSens (ARE-Nrf2 Luciferase), descrito na OECD 442D. O terceiro evento chave é a ativação (maturação) e mobilização de células de Langerhans e dendríticas, que podem ser avaliados pelos métodos descritos na OECD 442E (h-CLAT, U-SENS e IL-8 LUC). Os eventos 2 e 3 ocorrem em nível celular. O quarto evento ocorre no órgão, a presença de antígenos células T, mediado por células dendríticas, avaliados por teste local de linfonodo (LLNA, OECD 429). A ativação destes eventos resulta em inflamação, que é a resposta do organismo (Figura abaixo).

Abordagens definidas para sensibilização dérmica no contexto da IATA
O documento da OECD 256(6) fornece alguns exemplos de abordagens definidas para serem utilizados de acordo com o contexto da IATA para sensibilização dérmica. Uma abordagem definida consiste em um procedimento de interpretação de dados aplicado à resultados gerados de fontes de informação conhecidas. Em contraste com a abordagem clássica da IATA, que apresenta um certo grau de subjetividade, predições geradas a partir de abordagens definidas são baseadas em regras e podem ser utilizadas individualmente ou com outras fontes de informação no contexto de uma IATA. Estas abordagens foram desenvolvidas por corporações e podem identificar o potencial risco de uma substância teste (6). Um exemplo é a sequência estratégica desenvolvida pela Kao Corporation que avalia eventos chave 1 e 3. A abordagem se inicia com o evento 3. No caso de um resultado positivo, pode se concluir que a substância química causa sensibilização. Se o resultado for negativo, o evento chave 1 deve ser avaliado com um teste DPRA. Um resultado de DPRA positive é suficiente para classificar a substância como sensibilizante. Dois resultados negativos indicam um não sensibilizante (Figura abaixo).

Por Helena Rolla, Bióloga responsável pelas áreas de toxicidade e genotoxidade da NSF

REFERÊNCIAS
1. OECD Test No. 263 – Guidance Document on an Integrated Approach on Testing and Assessment (IATA) for Serious Eye Damage and Eye Irritation. 2017.
2. OECD Test No. 491 – Short Time Exposure In Vitro Test Method for Identifying Chemicals Inducing Serious Eye Damage and Chemicals Not Requiring Classification for Eye Irritation or Serious Eye Damage. 2018.
3. OECD Test No. 492 – Reconstructed human Cornea-like Epithelium (RhCE) test method for identifying chemicals not requiring classification and labelling for eye irritation or serious eye damage. 2018.
4. OECD Test No. 431 – In Vitro Skin Corrosion: Reconstructed Human Epidermis (Rhe) Test Method. 2014.
5. OECD Test No. 439 – In Vitro Skin Irritation: Reconstructed Human Epidermis Test Method. 2015.
6. OECD Test No. 256 – on the Reporting of Defined Approaches and Individual Information Sources to be Used within Integrated Approaches to Testing and Assessment (IATA) for Skin Sensitisation. 2016.