ABNT NBR 16824: o gerenciamento do risco da Legionella em sistemas de água

A ABNT NBR 16824, publicada em 2020, é uma norma técnica brasileira com o intuito de fornecer diretrizes para a prevenção da legionelose, uma pneumonia bacteriana associada a sistemas de água. Nos parágrafos a seguir vamos explicar o porquê de um gerenciamento baseado nos riscos é o mais adequado e mostrar a importância de um suporte técnico independente para alcançar uma água consistentemente mais segura.

A Legionella: um risco para a saúde pública

Pneumonias bacterianas são tipicamente causadas pelo pneumococo, uma bactéria identificada em 1881 e cuja transmissão ocorre facilmente entre pessoas. Contudo, nem todas as pneumonias são causadas por essa bactéria. Em 1976 foi descrita pela primeira vez a legionelose – também conhecida por “mal dos legionários” –, uma pneumonia atípica que hoje se estima representar de 9% a 12,5% das pneumonias, com letalidade entre 10% e 25% dos casos. Isso significa que no Brasil podemos ter entre 60 e 80 mil casos de mal dos legionários, causando de 6 a 10 mil mortes todos os anos.

Por ser o maior responsável pelos casos de pneumonia, quando um paciente apresenta os sintomas típicos (tosse, acúmulo de líquido no pulmão, falta de ar, dores musculares e de cabeça), os médicos geralmente receitam antibióticos para combater o pneumococo. Ainda que o mal dos legionários gere esses mesmos sintomas, seu tratamento exige outra classe de antibiótico, pois é causado por uma bactéria – a Legionella – que é bastante diferente do pneumococo. Consequentemente, o tratamento adequado acaba por ser adotado tardiamente, causando aumento em internações, sequelas e na mortalidade da doença.

A prevenção da Legionella é possível

Prevenir a disseminação do pneumococo na população é quase impossível. Além de sua transmissão geralmente se realizar de pessoa para pessoa, trata-se de uma bactéria que comumente já vive no trato respiratório de indivíduos saudáveis e com frequência se desenvolve como doença em pessoas que são ou ficaram vulneráveis. Já a Legionella, por outro lado, tem uma rota de transmissão muito específica e diferente: a respiração de aerossóis (gotículas de água microscópicas) contaminados.

Todo equipamento e qualquer atividade que geram gotículas de água têm, dessa forma, o potencial de disseminar a Legionella no ambiente. Para isso, basta o sistema de água gerador de aerossóis estar contaminado. Se esses aerossóis forem inspirados, eles podem levar a Legionella para o sistema respiratório e causar o mal dos legionários quando atinge os pulmões, ou – quando atinge a parte superior do trato respiratório – causar formas mais leves de infecção (conhecidas como Febre Pontiac, similar a uma gripe forte). Dessa forma, diferentemente do pneumococo, a prevenção é possível e tem foco no controle das condições dos sistemas de água que podem proliferar a Legionella.

Por ser uma bactéria que vive nas mais variadas fontes naturais de água, como rios, represas e até lençóis freáticos em todo o mundo, ela acaba mais cedo ou mais tarde entrando em nossos sistemas de água. Isso também se deve ao fato de ser pouco afetada pelos tratamentos convencionais. A Legionella pode, assim, sobreviver e colonizar sistemas de água os mais variados (potável, de reuso, resfriamento e industriais) de edificações em geral (como residências; hotéis; hospitais; prédios comerciais e de escritórios; industriais). São nesses sistemas de água que a Legionella encontra as condições favoráveis para seu desenvolvimento e para se concentrar em níveis que podem apresentar risco aos seres humanos.

São também nos sistemas de água que há equipamentos e atividades que possibilitam que a Legionella se dissemine no ambiente por meio de aerossóis: basta haver uma fonte de aspersão de água. Entre esses equipamentos temos desde chuveiros e sistemas de resfriamento até sistemas de irrigação, fontes decorativas e equipamentos médicos. E foi justamente no século XX que esses tipos de uso da água se tornaram generalizados a ponto de a Legionella se tornar um risco relevante para a saúde pública. Isso, em parte, explica o porquê de ela ter sido identificada apenas em 1976, quase cem anos depois do pneumococo, quando as condições para seu desenvolvimento estavam amplamente disseminadas.

A Legionella tornou-se um risco para a saúde apenas quando o próprio desenvolvimento humano permitiu a criação de sistemas de água cada vez mais complexos e com condições cada vez mais favoráveis para sua disseminação e proliferação. Isso a faz ter uma posição peculiar quando a comparamos com outros microrganismos patógenos. Embora seja uma bactéria que exista possivelmente desde antes do surgimento do primeiro ser humano, foi o próprio ser humano que a transformou em um risco. Em outras palavras, todo caso de mal dos legionários pode ser associado a um sistema de água artificial específico que disseminou a Legionella.

Gerenciamento do Risco conforme ABNT 16824

Como os males causados pela Legionella são previsíveis e se podem prevenir, os responsáveis por sistemas de água devem adotar medidas para controlar esse risco. Nesse sentido, em 2016 foi formada uma comissão de estudos da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) para a criação de uma norma técnica com orientações a serem seguidas pelos responsáveis por sistemas de águas para manter a Legionella em níveis considerados seguros. Em 2020, a norma ABNT NBR 16824 Sistemas de distribuição de água em edificações — Prevenção de legionelose — Princípios gerais e orientações foi publicada, tornando-se a primeira normativa brasileira focada na prevenção da Legionella em sistemas de água.

O objetivo dessa norma é dar as bases para um gerenciamento adequado da Legionella em sistemas de água, tendo por princípio uma abordagem preventiva a partir dos riscos existentes. Ela é preventiva porque se devem adotar estratégias para controlar as condições nos sistemas antes que elas se tornem um risco real para a saúde pública. Como essa prevenção deve ser baseada no risco, essas ações devem se limitar ao que é realmente necessário e específico para cada sistema individualmente, evitando desperdício de recursos com medidas genéricas e desnecessárias.

Por esse motivo, a norma preconiza que todo esforço de gerenciamento dos riscos da Legionella deve iniciar-se por uma avaliação de risco que deve ser revisada a cada dois anos ou quando ocorrerem mudanças nos sistemas de água. Essa avaliação tem por objetivo identificar e avaliar os riscos das condições específicas e determinadas de um sistema de água que podem levar a Legionella a se desenvolver e se disseminar no ambiente. A avaliação deve levar em conta o tipo de sistema, a qualidade da água, os seus diferentes usos, tratamentos e a operação em prática.

Dessa forma, ao entender os riscos específicos que seus sistemas de água possuem, os seus responsáveis devem criar um plano de gerenciamento dos riscos da Legionella para implementar medidas de controles para manter a bactéria sob controle. Essas medidas são limpezas, higienizações, monitoramentos, operações específicas e, quando necessário, tratamentos de água. Como forma de tornar o plano de gerenciamento efetivo, a norma define que internamente é necessário ter pessoas minimamente conscientes dos riscos da Legionella e que serão responsáveis por colocar essas medidas em prática. Todo o processo de avaliação e gerenciamento do risco deve seguir uma metodologia, o APPCC (Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle), um método consagrado de controle e prevenção de riscos amplamente utilizado na indústria de alimentos e que, nas últimas décadas, tem sido cada vez mais aplicado para riscos associados à água.

Verificando e validando o gerenciamento do risco

Estratégias para verificar se as medidas estão sendo aplicadas corretamente também são necessárias conforme a norma. Para isso devem-se implementar monitoramentos operacionais simples que mostrem não apenas que as medidas de controle estão funcionando como planejado, mas que a equipe está aderindo ao plano. Toda medida de controle adotada precisa de uma avaliação de que está sendo aplicada corretamente, ou seja, deve ser monitorada. Por exemplo, se para um determinado risco a medida de controle definida é a dosagem de cloro, é necessário realizar um monitoramento do cloro residual livre na água para verificar se a dosagem está correta. Ou seja, todo monitoramento possui limites definidos que indicam se a medida de controle está sendo aplicada. Avaliar os resultados e tendências dos monitoramentos operacionais é parte do processo de verificação do plano de gerenciamento.

Se a verificação avalia se as medidas de controle estão sendo aplicadas conforme o plano, a validação tem por objetivo avaliar a eficiência dessas mesmas medidas. A validação ocorre por meio de análises laboratoriais de Legionella na água com pontos de coleta definidos, frequências estipuladas e limites de contaminação que indiquem quando os riscos estão sob controle.

Tradicionalmente análises de Legionella na água são realizadas como forma de medir o risco de um sistema. Contudo, como os resultados só estão disponíveis de 15 a 20 dias depois da coleta, não há tempo suficiente de atuar em caso de resultados positivos. Por esse motivo, a análise de Legionella deve ser incorporada ao gerenciamento do risco, não para determinar medidas de controle em função da contaminação do sistema – como seria em uma abordagem corretiva –, mas para validar as medidas proativamente já implementadas.

Em outras palavras, verificação e validação são estratégias para o controle de qualidade do plano de gerenciamento: a verificação (baseada no monitoramento operacional) tem por objetivo avaliar a aderência ao plano e se ele está sendo cumprido, enquanto que a validação (baseada em análises laboratoriais) avalia a sua eficiência em controlar os riscos.

NSF pode auxiliá-lo a ter uma água mais segura

A NSF orgulha-se de ter incentivado e participado ativamente da comissão de estudos para a criação da ABNT NBR 16824 e, desde 2016, de ter auxiliado seus clientes na tarefa de identificação e gerenciamento dos riscos da Legionella em sistemas de água das mais variadas edificações e indústrias. Temos consultores no Brasil que trabalham exclusivamente com os riscos da Legionella e a segurança da água que possuem vasta experiência nacional e internacional.

Auxiliamos nossos clientes não apenas desenvolvendo Avaliações de Risco de Legionella, mas também atuamos como consultores na implementação e suporte ao gerenciamento de risco, na definição e criação do plano de gerenciamento, avaliando e orientando nos processos de verificação e validação, e apoiando e treinando as equipes internas para obter sistemas com águas consistentemente mais seguras. Oferecemos serviços que contemplam todas as etapas definidas pela ABNT NBR 16824: da avaliação e gerenciamento do risco à validação e verificação.

A NSF tem como missão a proteção e melhora da saúde pública e podemos ajudá-lo a identificar e controlar as condições em seus sistemas de água que podem facilitar o desenvolvimento da Legionella. Trabalhamos conjuntamente com organismos e instituições nacionais e internacionais para a criação de normas técnicas e regulamentos, tais como ABNT, EHEDG, ASHRAE, OMS, entre outros. Em nossos serviços nos guiamos não apenas pela ABNT NBR 16824, como também por outras normas técnicas internacionais: ASHRAE 188 (EUA), L8 (Reino Unido), ECDC (Europa), EHEDG doc. 28 (indústria de alimentos), sempre incorporando requisitos internos de nossos clientes. Além disso, temos especialistas com grande experiência no Brasil e no mundo, que atuam de forma completamente independente e desvinculada de outros serviço e produtos – como soluções em tratamento de água ou serviços laboratoriais para análise de Legionella. Se você tem interesse em saber como a NSF pode ajudá-lo a ter uma água mais segura por meio de soluções de consultoria e suporte presenciais e remotos, entre em contato conosco.

Fernando H. Fonseca
Technical Operations Manager, Technical Advisory Services, NSF

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